Correndo em direção ao mar

Correndo em direção ao mar

sexta-feira, 12 de março de 2010

Voo #4043

eu andava como quem segue. segue seguro, de si, de mim, de todo o mundo. era elipsoidal o meu caminho, por vezes espiral, quiçá labiríntico. menos importante que a forma, era o tônus do meu caminhar. seu ritmo. sua cadência. sua essência.
eu andava como quem urra de dor. e chora. não um choro melodramático, um choro dos calhordas, dos crápulas; não, este não. era um choro tremendamente cruel. daqueles que é preferível sorver arsênico do que derramar. eu andava assim. com uma dor e muito elegante. alinhadíssimo.
ela foi. eu não quis ficar . fui como quem vai.
e o poeta disse que há pedras, e há. cascalhos, pedregulhos, granitos, meteoros. achei que ele era uma pedra. ele parou, se colocou em minha frente como um obstáculo se coloca frente ao puro sangue inglês (negro, que galopa descompassadamente, rumo a lá). e o garanhão menosprezou a pedra, quis chutar, coicear, empinar, pinotear, abanou vertiginosamente sua cabeça, a crina brilhou. ele era forte. era cavalar. ele só me pediu um cigarro. eu não, não tinha. vai embora? eu vou, vou. é cedo, fica. não, eu danço. que bom, eu construo... me beija. não, eu te quero, só por hoje. não, eu nego, eu não. toma. o que? é o meu rol de costelas, uma por uma. pra que? é pra você poder ver o que há cá dentro. me conta. não, é preciso que se veja, pra isso me mutilei, pra você ver o meu de dentro. (hesita) (que mal?) (nenhum...) (abre a caixa de Pandora) (ela o aprisiona) eu dei na pedra um coice, crente na existência da pedra. ela rolou. antes, rocei meu focinho, de leve, e meu olfato cheirou melancolia. a pedra chorou, leite das pedras.
com medo eu corri, a perna estalando, o coração numa taquicardia, a boca agreste, a vista âmbar, o corpo em movimento inercial. não era pedra, era rochedo.
ele me profanou como um meteoro devasta um astro. ele me fez pó. poeira cósmica. ele era homem disfarçado de menino. acho que era mais menino mesmo, mas também era homem. e eu queria. queria ele. por uma noite. por todas as noites. queria. mas eu fugi.
fui ao encontro de tudo, após correr, e tudo me impulsionava a ele.
inclusive ele me impulsionou a ele.
e quando eu me preparava para disparar num último galope ele me laçou pelas patas. e eu caí. num tombo só. o chão espancou meus ossos e ele me arrastou sem piedade por infinitos até seus pés. e quando eu achei que ele ia me pisar e me chamar de fera, quando achei que ele ia me domesticar, ele me ergueu, me envolveu nos braços sedentos e soprou:
eu te quero porque você é fera.
ele me beijou como se beija um lírio. e foi beleza que cegava os sentidos. que dopava a alma. e o tempo que antes era curto, desdobrou-se quanticamente, e ele me beijou durante o instante de um raio, infinito, eterno.
e ele me apertava. me sugava a língua, me roubava o quente do corpo.
eu gosto do seu beijo. que bom que você voltou. é, eu gosto do seu beijo. é, voltei. nem sempre, hoje sim. sua pele é macia. é voltei, nem sempre. é pétala de morango. você cheira embriagamento e nicotina, mas eu gosto. eu quero cheirar o que te agrada. eu gosto da sensação... pelo com pelo. gosto da vermelhidão. gosto de como agride o microespaço e transforma o universo. você é inteligente. eu quero te abraçar até que minha pele murche. eu quero te abraçar tanto que o carinho vire agressão. eu queria que com um abraço nossas carnes se metamorfoseassem em um ponto. ponto? sim, ponto. é lá que cabe todo o tamanho disto aqui. seu pau é forte. o seu é vida. como é que isto é tão belo, meu Deus?
ele me deixou no carro. eu dirigi como se eu pilotasse uma borboleta. que me deixou no ninho. eu adormeci leve. e breve. como quem tem ânsia de viver o prometido.
ontem, ele: eu te encontro onde for.
ontem, eu: te espero.
na espera: eu varro toda a casa com minha ansiedade, eu estraçalho todos os papéis vencidos, eu transformo lixo em serpentina, eu lavo os pires como se lavasse prataria, eu organizo o hieróglifo da minha vida, eu danço pra você na sua ausência, eu falo de você aos tucanos da minha janela, eu almoço Raduan Nassar e ele me alimenta.
você não chega.
eu te busco.
você responde.
você vem, diz.
eu te espero, adormecido, não é clichê. eu durmo. eu hiberno. a espera cansa.
eu acordo num pesadelo.
eu começo a me desesperar.
eu chamo por você.
você responde.
você vem, diz.
eu te espero, com os acordes do meu violão. toco todas as canções da memória. você não chega.
o desespero retorna.
cadê? caminho. eu me preocupo, porque você vai ao teatro às 20 e são 17. eu queria que o teatro não tivesse nascido. se você vier, o teatro morre. sacrifica o teatro por mim, que em breve eu te devoro.

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de ele, agora é você.

-

você chega. eu te resgato. quando subimos naquele elevador nossos corpos eram estátuas, mas nossos pensamentos eram sonhos. você entra na minha casa e me beija. e o mundo poderia murchar todo rumo ao seu próprio centro que não tinha como nossos corpos murcharem.
nós nos por horas.
eu quero que seja assim. mas eu tenho muito que me impede. existe ela, mas quero você, macho, garanhão. eu sei, é tudo um erro. eu não posso arrancar os três corações, jogar numa travessa e acionar a batedeira. eu sei que eu preciso ser sereno. eu queria que ela morresse, como morreu o meu, o seu pai. eu queria que tudo morresse. queria que tudo sangrasse até vazar tudo pelo ralo do oco. e que só restasse o eu e o você. mas não é assim. não espere o que eu não te prometi. mas você quer. mas eu não vou. se é assim, eu não quero nunca ser obstáculo para o seu galope, mas lembre-se que uma vez você foi empecilho para o meu... você é cruel. é por isso que eu te desejo. obrigado por ser meu oásis neste deserto de esperança.
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ele foi embora. prometeu voltar. nunca mais o vi. nunca, lugar inexistente. não, não para mim. ele parou meu galope. num susto. e agora a pedra virou meteoro. lançou-se contra meu território, causou devastação e seguiu sua órbita. seu galope. e em mim só restou desesperança. o oásis secou. o cavalo fraturou as patas. e será sacrificado.

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