Correndo em direção ao mar

Correndo em direção ao mar

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Para Hilda

Era uma vez. Eu queria muita coisa. Queria tanto que não sabia mensurar. Enumerar. Só sei que queria. E era isto que me movia.
Um dia, desses que não fazem sol, eu resolvi que eu queria comer carne de porco. Há tempos eu não comia carne. Há tempos eu não comia carne de porco. Quis experimentar. Eu queria, percebe? E para mim bastava.
Sai da minha casa com um machado em punho, em busca de um porco gordo, peludo e barulhento. Tinha que ser assim.
Andei muito. Acho que as solas dos meus pés até ficaram vermelhas, esfoladas, com as carnes pulsantes. Pouco me importava. Eu queria carne de porco.
Vaguei pelo centro da cidade. Era muita gente e pouco porco. Nenhum porco. Frustrei-me. Chorei. Chorei muito na beira de um chafariz. Chorei um chafariz de pranto azedo e cheio de caprichos.
Porém a vontade não havia morrido.
Levantei colérico pela impossibilidade de saciar meu desejo, entrei naquela galeria com cheiro de mijo, com o machado em punho como quem ergue a bandeira de sua pátria e trotei até aquele gordo branquelo e com o peito peludo que vendia e comprava ouro e desferi uma machadada certeira bem no meio do seu crânio calvo e suado. Os miolos vazaram pela fenda junto com um sangue bonina. Me joguei naquele cadáver quente e chupei todo o conteúdo efervescente daquela cabeça aberta.
Arrotei.
Levantei, fui até o boteco da esquina, tomei um copo d’água (arrotei), tomei o ônibus, desci no ponto de sempre (arrotei), caminhei até minha casa, onde escovei os dentes, passei o fio dental e fui dormir.
Um sono leve, satisfeito, como dorme um bebê amamentado.
Não sei do machado, nem das minhas roupas ensangüentadas. Pouco me interessam.
Eu não quero.
Moral da história: Quem não tem cão, caça com gato.

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