Correndo em direção ao mar

Correndo em direção ao mar

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Constatação

Ele tem medo de mim. Se soubesse como sou inofensivo me abraçaria me apertaria contra seu tórax parcamente peludo me embalaria ao som do seu canto e me chamaria de seu, com a ferocidade de um posseiro.
Mas é o que ele faz.
Então ele não tem medo.

Paradoxo

Eu queria muito escrever algo pesado, mas o que acontece é que eu estou leve.
Eu penso que escrever é algo misterioso. E acho escusas minhas motivações. Pois não escrevo, deponho. E ao depor, exponho o que é mais de mim do que eu mesmo. Exponho o élan de meus impulsos. Escancaro o que me parasita o coração.
Porém você matou este parasita.
E agora só sei ser leve.
E eu queria te odiar queria te cuspir na cara queria te exorcizar do meu de dentro queria te fazer pequeno te colocar na palma da mão te ventar para longe de mim e contemplar (num alívio) seu voo queria te enojar queria te surrar a face por 30 minutos queria gritar nos seus ouvidos um grito supersônico que estraçalhasse em nove mil quinhentos e sessenta e dois os ossos do seu canal auditivo.
E o meu querer se frustra na minha vontade.
E eu só sei te querer, como um louco, um infinito a mais por fração de instante que espero (paciente) por seu telefonema.

Paciência

Eu li Raduan Nassar, e ele me falou de paciência. Já é a terceira vez que recorro a Nassar nas minhas criações. Me perdoe a insistência, mas é tudo visceral e apropriado.
Minha leitura:
O homem está com fome Fome de que De fome Ele é convidado entra contempla avista estremece Há bondade naquelas vistas A HOMENS DE CORAGEM E BONDADE SE PERMITEM CERTAS LIBERDADES Acho que foi isso que disse Bukowski Começa o jogo Ou rito E ele come à mesa do velho um banquete invisível mas tão cruel como a clareza da vida E bebe do vinho etéreo mas há de fato álcool nas suas papilas gustativas Ele sofre com o capricho do velho por horas No seu estômago não há dor há esfolamento É uma cena penalizante este pobre verme Sinto pranto nas minhas pálpebras Enfim é a vida Petulante daquele que se dá ao luxo de chorar pela crueldade de quem é vítima Há redenção O homem é paciente Virtuoso O velho o acha um homem bom E então o acolhe É o filho Bom filho da casa À casa torna.
Sim, meu bem, eu sou paciente. Só gostaria que você me indicasse remédio para esta gastrite, esta úlcera, este ESFOLAMENTO que me habita as tripas quando do meu exercício de paciência.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Homenagem

Antes ele era confuso. Confundia tudo. Alhos e bugalhos. Levou um tempo e algumas tormentas para que ele percebesse a límpida realidade.
Antes, ele escrevia coisas imundas:
"Eu não sabia, você não sabia. Nós não sabiamos ver as coisas como elas são. Mas eu vi. Vi que você não passava de uma farsa e eu, eu não passava de uma ilusão."
"Sinto, mas minha tristeza antecede aquele inesperado encontro e nada tem haver com ele. É terrível sentir-se tão triste que se tem vergonha de ver qualquer pessoa que seja. Quanto à delicadeza das atitudes, entenda como um desabafo impessoal de alguém cansado de ser tão generoso com o mundo a ponto de só sangrar. Só preciso ficar só para sangrar em paz. Em seguida, volto a ser a velha alegoria de carnaval."
Um dia, como que numa vertigem, suas mãos urraram:
"E seja qual for o futuro, que ele seja branco."
Ele, pretensioso acerca de seus sentimentos, supunha entender o vulcão de signos contido nesta curta sentença. Mas ele era tolo. Não entendia nada. Foi preciso rasgar seu coração a foice e deflorar todo seu jardim de sentimentalidades para que ele começasse a suspeitar de sua grande insignificância frente às coisas simples, porém grandiosas, da vida.
Foi necessário mergulhar no hiato da existência.
E quando ele começou a se dissolver na mudez do seu porco coração, percebeu repentinamente que achava até prazeroso ter um coração tão sujo, e não queria mais limpeza nem perfume nem clareza nem paz. O que ele queria, era uma sujeira branca.
E hoje é o que ele tem, um coração porco, mas branco. E que não mais aguarda pelo futuro. Implode seu presente e, das ruínas, ergue seu destino.
Cinnamon

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cartas extraviadas

Meu querido,

Eu não sei se deveria estar escrevendo isto. Estou sendo sincero. É uma insanidade, sei. Só que sinto ser vital, ser essencial o que se dirá.

Loucura... Mais um ano termina. O que mais chega ao fim?

Eu escolhi te abandonar. Você há de concordar comigo que motivos, de sobra. Eu não precisava daquele sofrimento. Eu não merecia tamanha dor. Era inútil cultivar tanta mágoa em meu coração. Eu mereço respeito. Porque eu sempre te amei. Nunca lhe quis mal nenhum, nem a nenhum dos seus amados. Pelo contrário. Sempre lhe quis bem até demais, e em prol disso sempre me sacrifiquei pelos seus.

Quando te conheci era uma mente perdida. Você também. Nossos espíritos se chocaram, e se metamorfosearam em uma só alma que, prometíamos, seguiria fundida “para o resto de nossas vidas.” Um pacto. Selamos?

Selado ou não, este pacto tem me perseguido incessantemente nos últimos tempos. Acho que meu peito não suportou a idéia de uma quebra tão abrupta e absurda deste acordo.

Outro dia passei perto da casa de sua avó, na Pampulha, o nosso refúgio oriental, e lembrei de todas aquelas tardes maravilhosas, em que dividíamos tudo. Entristeci-me profundamente. E só conseguia chorar. Um pranto interior, mas que doía muito, porque me encharcava.

Não consigo mais freqüentar serenamente o Palácio, te vejo em todos os vértices, em todas as arestas daqueles salões. Uma tensão constante. A qualquer momento você apareceria e haveria um enorme constrangimento. O que eu quero mesmo é poder ser novamente sereno ao teu lado.

A Praça do Papa já não existe mais. Perdeu-se com tudo aquilo que construímos.

E todas as letras daquele café se embaralham, é tudo muito confuso, e cada carro que passa, emitindo seus gases e suas fuligens, me faz lembrar você.

O meu celular está vazio. Oco. Um vácuo.

Minha vida anda um vácuo.

Meu coração anda um vácuo.

Eu estou farto de nutrir em mim coisas que não me fazem bem, que só servem para me aprisionar, para me consumir ou para me esgotar. Não sei se eu que nutro, ou se o outro que me alimenta. Sei que tenho fome, e preciso fazer algo com esta força faminta que se desenvolve.

Não sei se você pode me alimentar, mas tenho fome de você. Da sua presença, do seu carinho, do seu toque, da sua virilidade, do seu jeito único de ser homem.

Não tenho raiva dela. Ela tomou o caminho natural quando se tem fome de alguém. E ela também tem fome de ti. O que fazer com isto?

Eu quero que sua filha seja um anjo.

Eu não converso mais com ninguém. Conversar perdeu o sentido, depois de perder suas palavras.

Eu penso em você o tempo inteiro. Queria que você estivesse ao meu lado. Queria compartilhar com você minha vida. Queria estar com você sem limitações, sem barreiras.

E quando esta saudade se torna insuportável, sempre me pego olhando a lua, seu astro predileto. Penso em ti, um lobisomem frágil.

Eu não sabia que saudade doía tanto. Acho que saudade é até capaz de matar. Acredito que morro um pouco a cada dia sem você.

Não sei como anda sua vida. Com quem andas, quem amas, com quem te relacionas, se voltastes a viver como no passado, se está com ela, se sofres, se amas, se sentes minha falta, se me ama como amo a ti. Interessa-me tudo isto, mas tento me afastar de toda esta importância.

“Sou forte como um cavalo novo com fogo nas patas correndo em direção ao mar.”, digo sempre. É o que tento ser, e tenho conseguido.

Quis apagar você de minha vida. Estou tentando, mas não sei se quero.

Sei, porém, o que não quero, e não quero a situação a qual fui exposto, as coisas que ouvi, o sofrimento que passei.

Sinto muito, mas você pouco se importou comigo. Você não cuidou deste amor. Você não cuidou desta amizade. Você não cuidou desta devoção.

Sei que há dificuldades. Sei que com ela você teve uma filha, o ser que você mais ama na vida. Não sei, entretanto, se isto é uma dificuldade grande demais, ou se você a transformou em uma barreira intransponível, por medo de tudo o que poderia vir.

Não quero alguém que tenha medo ao meu lado (“Sou forte como um cavalo novo...”).

Ou quero pelo menos alguém que sinta medo, e com quem eu possa compartilhar este medo. Alguém que não tema enfrentar seus medos. Você? Não sei.

Acho que fui aberto demais. Como nunca fui. Sei que você chorou por mim. Gostaria de poder entender seu pranto. Gostaria de ter segurança a respeito do que você sente. Gostaria que você fosse uma pessoa mais segura.

Mas eu gostaria de tanta coisa na vida...

Enquanto apenas desejo, gostaria muito que você estivesse aqui, a 1 e 23 da manhã, com seu sorriso hipnotizante, com sua voz tranqüila, com seu corpo macio, e apesar de toda a força impetuosamente sentimental que quer romper dentro de mim, ficar apenas do seu lado, olhando nos teus olhos e acreditando que o amanhã será melhor.

Preciso de você. Mas se for como é, não.

Socorro, por favor.

Não aguardo resposta, se resposta não houver.

-

Meu querido,

Hoje eu quero me reconciliar com você. Calma, sei que não há mais verão para nós. O frio já não me maltrata mais as pontas dos dedos. Já me acostumei com o inverno. Quando digo reconciliar, quero dizer que já superei todo aquele inferno pelo qual passamos nestes últimos meses.

-

Hoje há um poço de felicidade em meu coração. É a prova de que o Sol sempre nasce, impreterivelmente, por volta das 6 da manhã.

sábado, 10 de abril de 2010

29/03/09

Mundo, o que é que há?
O que é que há no mundo?
Há mundo no que é o que
Há no que é o mundo.

Um dia hei de ver
E há de ver você também
Uma montanha de lixo
cósmico, andróide
tóxico, pop, alucinante
aterrar todo amor que há no mundo.

E há? Há mundo, amor ainda?
Há amor ainda, e há mundo...
Mundo há. E amor, ainda?

Por que é que este sol
Está tão perto e não me queima?
Há entre nós alguma coisa
Algo etéreo, sutil e surreal
sul, real.
Nem tão ao sul.
E tão pouco real.

E o que há de real na vida?
Na vida de real, e o que há?
Na real, de vida há, e o que?
O na que há, de real, e vida!

Vivemos em tempos de gladiação
Eliminação, aniquilação.
Semente, se mente.
Na vida real acabou-se o amor do mundo
Acho que tudo já secou.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

29 de março de 2009

Chove muito lá fora
E eu só queria que você
Que você me telefonasse
Minha mensagem
Eu mandei por medo
Eu tenho medo de te
De te telefonar
Só de pensar em
Ouvir sua voz
Me dá calafrios
Morro de medo
Mas eu queria que
Você me telefonasse
Nem que seja para
Ficarmos constrangidos
Para as palavras
Fugirem, se esconderem
A ponto de ficarmos
sem o que dizer
Eu tenho certeza
que se nós nos
falássemos, eu
teria aquilo tudo
para te dizer
você ia suspirar
Eu ia rir desconcertado
E eu sei que eu
devia ser homem
Pegar esta merda de
telefone e te ligar
Te dizer todo este
coquetel de sentimentos
que se debate nas
paredes da minha mente
mas eu não posso
eu tenho medo de você
um medo que não
tem nem razão de ser
mas que eu sinto e
que é meu delator
meu algoz e meu
fardo, pesado e frio
é a geleira da minha
alma, que seria
quente se eu pudesse
te telefonar em paz.
Sem conflitos, sem
receios, medos infundados.
Eu sinto muito a sua
falta e eu queria
que você soubesse disto.
Não sei se faz diferença
Porque talvez você nem
lembre que eu existo
Eu existo muito bem
sem você durante
grande parte do tempo
Mas quando você
invade meus pensamentos
numa tarde de calor
e abafada pela umidade
do ar, eu vejo o quanto
eu sinto você estar
tão longe, mas tão perto.
na minha vida
que é feliz, grande
espaçosa, falta um
amor, e eu só vou
amar tranqüilo
quando eu conseguir
te telefonar
e conversar com
você sobre coisas casuais
sobre como meu ritmo
anda frenético e
como seu riso é
bonito...
eu não sei nem se
existe o meu amor
se ainda há de
nascer em algum
canto escondido neste
mundo cruel e
cor de grafite
pode ser que sejas tu
pode ser que seja ela
pode ser que seja ele
é, por que não?
amar tranqüilo é amar
sem se preocupar
com nada
Enfim, tal como naquela
peça do Caio Fernando
Abreu, em que todos
estão se escondendo da
chuva numa casa abandonada
e não tem para
onde ir,
“pode ser que seja
apenas o leiteiro lá
fora.”
Eu não sei, não sei
de nada
Sei que se eu te abra
çasse ia ser tão lindo
Teu seio apertado
contra o meu peito e
nossos corações iam
bater em um só
pulso. Antes disso, eu
queria apenas poder
te telefonar...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

?

eu sinto que meu coração está contraído espremido num canto qualquer de um espaço indecifrável indescritível e tal desconforto propaga-se feito epidemia na minha matéria viva eu nem sei o que sinto ao certo é duvidoso meu coração poderia ser desterrado do meu peito talvez esta agonia passe na verdade não sei se há solução talvez precise de uma nova bomba meu sangue parece que parou de correr e estancou em pontos muito peculiares do meu corpo são nestes pontos que eu sinto dor não sei bem se é dor ou se é desalento sei que sinto solidão e medo um gélido pulso na espinha que me entrava eu queria movimento parece que tudo parou meu Deus e Você ou você abduziu deste universo e desencadeou a criação de um novo espaço não adianta fugir tudo retorna infalivelmente a ser exatamente o que está predestinado a ser com suas criações não há de ser diferente cansou da podridão daqui é fraco não abandona o que esculpiu

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Noite

Era madrugada. Eu estacionei em frente ao seu prédio. Ele me perguntou se eu desceria, eu hesitei, tendencioso, na verdade eu quero, mas há muito champanhe na minha cabeça e muito torpor nos meus sentidos, então dorme aqui, que mal há? nenhum, amanhã eu acordo verdadeiramente cedo, basta o sol nascer, problema nenhum.

Eu tranquei o carro, ele abriu o portão do prédio, eu entrei, subi as escadas logo atrás dele, que tropeçou relapso num degrau sorrateiro, parece que há bastante do embriagamento em ti também, não, é costume, de queda? não, de ansiedade.

Ele abriu a porta do apartamento, sugeriu com os dedos que fizéssemos silêncio e me conduziu sem demora para a insanidade do seu quarto, fecha a porta, e a toalha? do lado de dentro, é uma baderna, sei, você dorme no colchão, comigo, eu te deixo ocupar a cabeceira, eu me inverto, quer uma bermuda? não, prefiro de cuecas, sinta-se a vontade.

Ele me falou que não queria falar dos fantasmas, que eles o assombravam ainda, mas que ele não mais queria o pavor daqueles espectros. Deitado, ele acariciou minhas pernas, e eu, deitado, acariciei seus pés. Suas mãos certeiras acariciaram minhas nádegas firmes, invadiram a clausura da minha cueca, os dedos roçaram meu ânus trêmulo e ele tentava alcançar meu pênis rígido e vibrante. Cuidado, desculpa, é melhor dormirmos, não precisa se desculpar, eu acho até prazeroso ser livre, então seja, é o álcool que me deixa hesitante e você ainda povoa minha sanidade com porquês e dúvidas retóricas.

Ele levantou do colchão e apagou a luz. E repetiu calma e solenemente, como que seguindo um ritual, o protocolo daqueles carinhos. Ele se deitou ao meu lado e me abraçou com olhos, braços e pernas. E eu cedi. Eu lambia e chupava o seu sexo compulsivamente e havia gosto de macho naquilo. A minha saliva transbordava da minha boca e eu me sentia mais homem a cada bocada. A sua glande conversava com a minha garganta e era como se houvessem pirilampos na minha laringe. De súbito ele me pôs de quatro e tentou me penetrar. E eu o deixei conduzir meu corpo, como numa dança. Eu quero você, seu cu, seu de dentro, vem, me marca, me ocupa, me arrebenta de gozo, me fode, para. Desculpa fazer isso com você, mas eu não consigo. Tudo bem, não fique nervoso, é melhor dormir.

Eu dormi um sono tempestuoso e agitado. Eu podia sentir o respirar profundo e compassado daquele homem e, por vezes, naquele colchão estreito, nossos corpos se chocavam e se desvencilhavam, num ballet precário, mas sublime. Dormiu? não, é difícil dormir assim, como? assim.

Eu acordei pelo nascer do sol, esperei o despertador tocar, fiquei um tempo do lado daquele corpo que dormia leve, suguei um tanto aprazível daquele calor de vida, levantei-me, coloquei minha roupa, debrucei no chão ao lado do colchão, eu vou trabalhar, não vai, que crueldade, são 6 e 20, você me acha desprezível? de forma nenhuma, vá, nos vemos a noite, não te levo a porta, não precisa, bom trabalho, merda, bons trabalhos, um beijo, outro.

Com minha mochila nas costas, desci as escadas, sai pelo portão, entrei no carro e dirigi até o trabalho ao som daquela música antiga que tocou no rádio a 5, 6 anos atrás.

Minha cabeça estava naquele corpo que havia ficado entorpecido no colchão. E de pensar no que eu quis, mas não me permiti fazer, pensei que havia sido bastante cruel, não só com ele, mas comigo mesmo. Meu sexo concordou. Decidi esperar que ele me ligasse ao acordar.

E foi assim. Ele me ligou, bom dia, bom dia, eu quero me redimir com você e comigo, eu quero ir a sua casa, cozinhar para você, conversar sobre a simplicidade da vida e depois trepar até que a exaustão seja algo inalcançável, então vem, eu vou.

Entrei no carro, e dirigi cantando até o momento em que aquele caminhão cruzou imprudentemente a avenida, tentei desviar, choquei-me contra a mureta de segurança, que se despedaçou, permitindo que meu carro despencasse de uma altura de 15 metros, estraçalhando-se naquele córrego raso e mal cheiroso. E eu morri contente enquanto ele me esperava naquele colchão estreito.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os três homens

Eram cerca de 23 horas daquele sábado estranho. Ele não sabia. Mesmo assim foi. Chegou, aguardou pacientemente. Entrou. Lá nada mais do que almas vazias. Um questionamento: “Será que elas sabem por que existem, meu Deus?” Ele tenta ser alguém que ele não é, gostaria de poder agradar. Agradar o que? Ele não sabe, mas imagina.

Ele detesta aquela condição a qual se lançou. Detesta aquele cheiro de cigarro, aquelas garrafas flutuantes, aquele barulho de percussão. Ele (absurdamente) pensa que gostaria que todo aquele lugar fosse varrido por uma epidemia qualquer. Ele se conforta imaginando a completa destruição, o caos, os destroços daquele antro, e a morte de toda aquela corja.

De repente cai em si e pensa que é novo ainda, e que conseguirá superar.

Ouve coisas. Desinteressado ouve as imbecis que conversam de assuntos ainda mais imbecis que elas. Uma proeza. Aéreo, atenta para as vozes de macho que arrombam seus ouvidos, falando de assuntos ainda mais machistas que eles.

Eles eram três. Falavam de veados. Gesticulavam, usavam seus corpos viris ao mesmo tempo em que urravam com vozes imperativas. Ele pensa que em um universo tão apático, um pouco de criatividade poderia salvar alguns minutos de sua vida.

Imagina os três homens nus envolta dele. Excita-se ao ver que é bem menor que eles. Mais frágil. Vulnerável. Adora esta condição. No olhar deles, ardor e destruição.

Ele enlouquece apenas pela possibilidade de ser queimado e destruído.

Ele deseja que aquela tensão dure o tempo de um gozo.

Dura infinitamente. Pensa: “é vantajoso usar a imaginação.”

Repentinamente os três homens lançam-se sobre seu corpo esguio. Eles se esfregam contra ele, mordem suas carnes, lambem seus buracos, cospem na sua face, e penetram violenta e animalescamente qualquer espaço que clame por prazer.

Aquilo se estende por dias, meses, anos. Ele já perdeu até a noção do tempo.

Ele ri compulsivamente, chega a pensar que vai morrer. Pede para morrer. E grita, pede cada vez mais, não consegue se contentar com nada, tudo é muito pouco!

E o ritual continua (perpetuamente?), ele é apertado contra aqueles dorsos fortes, espancado por aqueles membros duros, arranhado por unhas leoninas. Ele quase não tem forças. Ele sofre, e adora.

Os três homens são cruéis. Eles deliram porque subjugam, e ele se emociona por ser subjugado.

Ele é subjugado como um bicho. No meio daquele turbilhão em tecnicolor ele vislumbra a imagem de três selvagens monstruosos que caçam um veado campeiro. E chora, porque é a coisa mais delicadamente bela que ele já viu.

E no momento daquele choro os homens despejam uma enxurrada de fluídos em seu corpo magro e pulsante.

Ele grita, um grito ensurdecedor. Parece que sua existência foi expandida a um plano de felicidade inalcançável.

Ele está no chão. Os homens de pé, arqueados, arfantes, molhados. Guerreiros. Vencedores.

Ele se contrai por alguns segundos, e em seguida se abre, como uma flor que encontrou sua primavera.

Os homens se agacham, deitam-se ao seu lado, e o abraçam. Não sabem de onde vem aquela vontade de proteger o que eles acabaram de destruir.

Ele então goza freneticamente. Se debate como num estado de convulsão. O grito não cessa.

Os homens o acalmam delicadamente, como se aquela flor que se abriu fosse a última possibilidade de salvação.

Eles morrem juntos, emaranhados, como víboras gigantescas ao se acasalarem.

Desperta então para a realidade. Vê-se no mesmo lugar de antes, naquela mesma condição execrável. Acredita, porém, que um pedaço singular de sua existência foi salvo. Ainda que por alguns minutos.