Correndo em direção ao mar

Correndo em direção ao mar

sexta-feira, 21 de maio de 2010

As três flores e o verme

Há um esgoto de vermes perto de lá.
Lá?
É um jardim.
De flores, naturalmente.
Ah sim
Claro.
Há três.
Não três variedades.
Três flores.
É, três unidades.
Por que o espanto?
Existe acaso lei que reza sobre a quantificação das flores de um jardim?
Flores. S. Jardim.
Ah, só se tem a experiência vivendo.
Deve-se ir lá.
Se entorpecer com o perfume.
Posso descrevê-las:
A primeira é branca.
Simplesmente.
Robusta também.
Tem incontáveis pétalas. Microscópicas. Que coletivamente nos imprimem a sensação de que a flor consitui-se de uma pétala única.
Engraçado.
Seu nome é R.
A segunda é também robusta, mas de uma maneira distinta.
É longelínea, percebe?
É de um rosa quase que sagrado.
Diz-se ser a flor dos anjos.
O seu perfume é inseguro, e por ser assim, se sobrepõe aos outros.
Seu nome é L.
A terceira é radicalmente diferente das anteriores.
Tem poucas pétalas, meia dúzia, se não me engano.
É amarela.
Meio termo.
Seu miolo é verde.
Meio termo.
Seu perfume é forte, agressivo, insuportável para alguns.
A mim é bastante aprazível.
Emerge da terra isoladamente das anteriores, que costumam florescer quase que de maneira siamesa, mas ocorre, com certa periodicidade, de também florescer como as outras.
Seu nome é B.
É um jardim verdadeiramente magnífico.
E peculiar.
Porque há nele um invasor desejável.
Um verme.
Não se enoje, ele é distinto dos demais.
É um verme luminescente.
Impressionante, um fenômeno formidável.
Enfim, não sei definir a relação dele com as flores.
Acho que algo entre comensalismo e mutualismo.
Eles passam longos períodos na companhia uns dos outros.
E quando ocorre a triangulação iniciam-se os períodos de tormenta e consequente devastação.
A triangulação?
O verme no esgoto.
R e L siamesas.
B isolada.
O jardim torna-se desprezível.
Não sei. Talvez seja. Maldição. Feitiço ou algo do tipo. Os quatro jamais conseguiram se manter unidos.
É algo vital, ainda que paradoxo.
Não se entristeça.
Fraco.
Não percebe que o sol nasce todos os dias, indubitavelmente, por volta das 6 da manhã?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A lenda da sussuarana e do veado campeiro

Houve um dia em que a sussuarana se apaixonou pelo veado campeiro. O olhar molhado do veado cruzou com o olhar certeiro da sussuarana, e pela primeira vez não houve medo, nem cautela. Houve fogo. O olhar do veado campeiro perdeu a umidade e deu lugar à entrega, e as vistas da sussuarana perderam a precisão para dar vazão ao desejo. E o que nascia daquele embate de luminosidades era uma atmosfera inusitadamente envolvente. Quase como um delírio.
O veado então usou sua coluna saliente para, numa dança ritualística, seduzir a sussuarana. E a sussuarana hipnotizou-se pelo movimento ingenuamente voluptuoso do veado, e havia baba nos seus caninos. Porém, naquele dia não houve ataque. A sussuarana escoltou o veado pelo seu caminho de cerrado. O veado ia altivo, a sussuarana ia cautelosa. Podia-se ver (concretamente) a energia desesperadamente protetora que emanava dos poros dilatados da sussuarana. Ela era vermelha.
Aquela dupla grotesca caminhou por 58 minutos, até que alcançaram um riacho. Ele cintilava prateado graças ao banho de luz viscoso que derramava daquela lua branca, um pomo de algodão. Na beira do riacho, o veado parou. Baixou suavemente sua cabeça em direção às águas trepidantes e sorveu um curto gole de luar. A sussuarana observava estanque, e aquele desespero crescia no seu de dentro. Seu coração bombeava violentamente tanto sangue que seus olhos ficaram vermelhos de sofreguidão. E quando a sussuarana fraquejou, quando ela ia tombar, quando ela ia ceder de ar(dor) o veado calmamente recostou sua face no pescoço do felino, fazendo-o estremecer. E foi como um exorcismo. A sussuarana se recompôs, expandiu sua ossadura (musculatura, pelagem...), abriu suas patas em asa e envolveu o veado, pressionando-o vigorosamente contra seu peito. O veado sequer resistiu, e se entregou aquele carinho brutal. A sussuarana apertava com tanto desejo o corpo frágil do veado campeiro, que chegou um momento em que os ossos do antílope se esfarelaram em pó calcificado, seus órgãos vazaram num líquido viscoso, e o corpo do veado ficou mole, como um pedaço de couro de caça. Quando, enfim, vislumbrou admirada seu feito, a sussuarana entrou em estado de desatino: extendeu suas garras para fora de suas patas, ergueu seus punhos e desferiu golpe justo e certeiro em seu peito. Abriu nele um buraco. Encontrou a morada de seu coração. O arrancou ainda pulsante de dentro de si, enxertando-o em seguida no peito murcho do veado, que despertou, fugindo apavorado da fera apaixonada. A sussuarana, apenas contemplou imóvel o disparo do veado. Profundamente desiludida. Profundamente desamparada. E desde então, sussuarana vaga pelos cerrados da vida, em busca de animal de coragem, o qual ele possa profanar, matar e em seguida roubar seu coração para, finalmente, restaurar em si o amor.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Resposta

Você diz:

Então nada.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Metáfora de um dia de sábado pela manhã

Minha metáfora:

Eu estou na praia. Deitado na areia. Vejo o Sol e nuvens que ocupam o azul do céu. A maré sobe lenta e gradativamente. Você está no mar. Nada me preocupa. Apenas a indefinição entre morrer afogado e nadar.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Para Fabrício

O homem resolveu abandonar sua posição hierarquicamente desinteressante para dar curso aos sentimentos verdadeiramente puros que habitavam seu coração naquela manhã de sol, porém fria. Levantou-se calmamente da cadeira às 10:36 da manhã, e naquele dia não desligou os equipamentos eletronicamente programados para diminuir o amor do mundo; apenas os deixou ligados para quem sabe haver de fato algum encolhimento. Abriu a porta daquele gabinete frio e seco: via as digitais esbranquiçadas das suas mãos e podia sentir fendas nos seus lábios. Saiu pelo corredor, caminhando calmamente todos aqueles calabouçais 1435 metros de distância que separavam sua sala gelada da saída para aquela avenida, ampla, larga e bem iluminada. Deixou aquela instituição latino americana de ensino, internacionalmente reconhecida por formar (com excelência) jovens e talentosos profissionais especializados na aniquilação particulada de toda forma de amor que há no mundo, e iniciou pálido, porém solene, a travessia daquela avenida cor de tempestade. Entre a quinta e a sexta faixa das dez que constituíam o seguro atravessamento para pedestres, ele estancou sua caminhada, virou-se para os dragões de komodo que destilavam monóxido de carbono aguardando apenas pela luz verde do sinal e, com voz de gueixa, balbuciou

e posto que na vida só há amor que se contrai, encontrei dentre feras e barbárie um homem de bondade, com coração mole, tão mole que ao se lançar nele, percebe-se fagocitado por tanto amor e conforto Este homem é meu amigo, oh meu Deus, que eu amo tanto a ponto de revelar publicamente que, eu não sei ser feliz se ele não for meu companheiro.

O sinal ficou verde. E é claro que ninguém ouviu uma palavra do que ele disse. Só o que se viu foram os restos de gente espalhados, logo depois que os dragões famintos estraçalharam aquele corpo órfão, porém honesto.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Constatação

Ele tem medo de mim. Se soubesse como sou inofensivo me abraçaria me apertaria contra seu tórax parcamente peludo me embalaria ao som do seu canto e me chamaria de seu, com a ferocidade de um posseiro.
Mas é o que ele faz.
Então ele não tem medo.

Paradoxo

Eu queria muito escrever algo pesado, mas o que acontece é que eu estou leve.
Eu penso que escrever é algo misterioso. E acho escusas minhas motivações. Pois não escrevo, deponho. E ao depor, exponho o que é mais de mim do que eu mesmo. Exponho o élan de meus impulsos. Escancaro o que me parasita o coração.
Porém você matou este parasita.
E agora só sei ser leve.
E eu queria te odiar queria te cuspir na cara queria te exorcizar do meu de dentro queria te fazer pequeno te colocar na palma da mão te ventar para longe de mim e contemplar (num alívio) seu voo queria te enojar queria te surrar a face por 30 minutos queria gritar nos seus ouvidos um grito supersônico que estraçalhasse em nove mil quinhentos e sessenta e dois os ossos do seu canal auditivo.
E o meu querer se frustra na minha vontade.
E eu só sei te querer, como um louco, um infinito a mais por fração de instante que espero (paciente) por seu telefonema.

Paciência

Eu li Raduan Nassar, e ele me falou de paciência. Já é a terceira vez que recorro a Nassar nas minhas criações. Me perdoe a insistência, mas é tudo visceral e apropriado.
Minha leitura:
O homem está com fome Fome de que De fome Ele é convidado entra contempla avista estremece Há bondade naquelas vistas A HOMENS DE CORAGEM E BONDADE SE PERMITEM CERTAS LIBERDADES Acho que foi isso que disse Bukowski Começa o jogo Ou rito E ele come à mesa do velho um banquete invisível mas tão cruel como a clareza da vida E bebe do vinho etéreo mas há de fato álcool nas suas papilas gustativas Ele sofre com o capricho do velho por horas No seu estômago não há dor há esfolamento É uma cena penalizante este pobre verme Sinto pranto nas minhas pálpebras Enfim é a vida Petulante daquele que se dá ao luxo de chorar pela crueldade de quem é vítima Há redenção O homem é paciente Virtuoso O velho o acha um homem bom E então o acolhe É o filho Bom filho da casa À casa torna.
Sim, meu bem, eu sou paciente. Só gostaria que você me indicasse remédio para esta gastrite, esta úlcera, este ESFOLAMENTO que me habita as tripas quando do meu exercício de paciência.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Homenagem

Antes ele era confuso. Confundia tudo. Alhos e bugalhos. Levou um tempo e algumas tormentas para que ele percebesse a límpida realidade.
Antes, ele escrevia coisas imundas:
"Eu não sabia, você não sabia. Nós não sabiamos ver as coisas como elas são. Mas eu vi. Vi que você não passava de uma farsa e eu, eu não passava de uma ilusão."
"Sinto, mas minha tristeza antecede aquele inesperado encontro e nada tem haver com ele. É terrível sentir-se tão triste que se tem vergonha de ver qualquer pessoa que seja. Quanto à delicadeza das atitudes, entenda como um desabafo impessoal de alguém cansado de ser tão generoso com o mundo a ponto de só sangrar. Só preciso ficar só para sangrar em paz. Em seguida, volto a ser a velha alegoria de carnaval."
Um dia, como que numa vertigem, suas mãos urraram:
"E seja qual for o futuro, que ele seja branco."
Ele, pretensioso acerca de seus sentimentos, supunha entender o vulcão de signos contido nesta curta sentença. Mas ele era tolo. Não entendia nada. Foi preciso rasgar seu coração a foice e deflorar todo seu jardim de sentimentalidades para que ele começasse a suspeitar de sua grande insignificância frente às coisas simples, porém grandiosas, da vida.
Foi necessário mergulhar no hiato da existência.
E quando ele começou a se dissolver na mudez do seu porco coração, percebeu repentinamente que achava até prazeroso ter um coração tão sujo, e não queria mais limpeza nem perfume nem clareza nem paz. O que ele queria, era uma sujeira branca.
E hoje é o que ele tem, um coração porco, mas branco. E que não mais aguarda pelo futuro. Implode seu presente e, das ruínas, ergue seu destino.
Cinnamon

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cartas extraviadas

Meu querido,

Eu não sei se deveria estar escrevendo isto. Estou sendo sincero. É uma insanidade, sei. Só que sinto ser vital, ser essencial o que se dirá.

Loucura... Mais um ano termina. O que mais chega ao fim?

Eu escolhi te abandonar. Você há de concordar comigo que motivos, de sobra. Eu não precisava daquele sofrimento. Eu não merecia tamanha dor. Era inútil cultivar tanta mágoa em meu coração. Eu mereço respeito. Porque eu sempre te amei. Nunca lhe quis mal nenhum, nem a nenhum dos seus amados. Pelo contrário. Sempre lhe quis bem até demais, e em prol disso sempre me sacrifiquei pelos seus.

Quando te conheci era uma mente perdida. Você também. Nossos espíritos se chocaram, e se metamorfosearam em uma só alma que, prometíamos, seguiria fundida “para o resto de nossas vidas.” Um pacto. Selamos?

Selado ou não, este pacto tem me perseguido incessantemente nos últimos tempos. Acho que meu peito não suportou a idéia de uma quebra tão abrupta e absurda deste acordo.

Outro dia passei perto da casa de sua avó, na Pampulha, o nosso refúgio oriental, e lembrei de todas aquelas tardes maravilhosas, em que dividíamos tudo. Entristeci-me profundamente. E só conseguia chorar. Um pranto interior, mas que doía muito, porque me encharcava.

Não consigo mais freqüentar serenamente o Palácio, te vejo em todos os vértices, em todas as arestas daqueles salões. Uma tensão constante. A qualquer momento você apareceria e haveria um enorme constrangimento. O que eu quero mesmo é poder ser novamente sereno ao teu lado.

A Praça do Papa já não existe mais. Perdeu-se com tudo aquilo que construímos.

E todas as letras daquele café se embaralham, é tudo muito confuso, e cada carro que passa, emitindo seus gases e suas fuligens, me faz lembrar você.

O meu celular está vazio. Oco. Um vácuo.

Minha vida anda um vácuo.

Meu coração anda um vácuo.

Eu estou farto de nutrir em mim coisas que não me fazem bem, que só servem para me aprisionar, para me consumir ou para me esgotar. Não sei se eu que nutro, ou se o outro que me alimenta. Sei que tenho fome, e preciso fazer algo com esta força faminta que se desenvolve.

Não sei se você pode me alimentar, mas tenho fome de você. Da sua presença, do seu carinho, do seu toque, da sua virilidade, do seu jeito único de ser homem.

Não tenho raiva dela. Ela tomou o caminho natural quando se tem fome de alguém. E ela também tem fome de ti. O que fazer com isto?

Eu quero que sua filha seja um anjo.

Eu não converso mais com ninguém. Conversar perdeu o sentido, depois de perder suas palavras.

Eu penso em você o tempo inteiro. Queria que você estivesse ao meu lado. Queria compartilhar com você minha vida. Queria estar com você sem limitações, sem barreiras.

E quando esta saudade se torna insuportável, sempre me pego olhando a lua, seu astro predileto. Penso em ti, um lobisomem frágil.

Eu não sabia que saudade doía tanto. Acho que saudade é até capaz de matar. Acredito que morro um pouco a cada dia sem você.

Não sei como anda sua vida. Com quem andas, quem amas, com quem te relacionas, se voltastes a viver como no passado, se está com ela, se sofres, se amas, se sentes minha falta, se me ama como amo a ti. Interessa-me tudo isto, mas tento me afastar de toda esta importância.

“Sou forte como um cavalo novo com fogo nas patas correndo em direção ao mar.”, digo sempre. É o que tento ser, e tenho conseguido.

Quis apagar você de minha vida. Estou tentando, mas não sei se quero.

Sei, porém, o que não quero, e não quero a situação a qual fui exposto, as coisas que ouvi, o sofrimento que passei.

Sinto muito, mas você pouco se importou comigo. Você não cuidou deste amor. Você não cuidou desta amizade. Você não cuidou desta devoção.

Sei que há dificuldades. Sei que com ela você teve uma filha, o ser que você mais ama na vida. Não sei, entretanto, se isto é uma dificuldade grande demais, ou se você a transformou em uma barreira intransponível, por medo de tudo o que poderia vir.

Não quero alguém que tenha medo ao meu lado (“Sou forte como um cavalo novo...”).

Ou quero pelo menos alguém que sinta medo, e com quem eu possa compartilhar este medo. Alguém que não tema enfrentar seus medos. Você? Não sei.

Acho que fui aberto demais. Como nunca fui. Sei que você chorou por mim. Gostaria de poder entender seu pranto. Gostaria de ter segurança a respeito do que você sente. Gostaria que você fosse uma pessoa mais segura.

Mas eu gostaria de tanta coisa na vida...

Enquanto apenas desejo, gostaria muito que você estivesse aqui, a 1 e 23 da manhã, com seu sorriso hipnotizante, com sua voz tranqüila, com seu corpo macio, e apesar de toda a força impetuosamente sentimental que quer romper dentro de mim, ficar apenas do seu lado, olhando nos teus olhos e acreditando que o amanhã será melhor.

Preciso de você. Mas se for como é, não.

Socorro, por favor.

Não aguardo resposta, se resposta não houver.

-

Meu querido,

Hoje eu quero me reconciliar com você. Calma, sei que não há mais verão para nós. O frio já não me maltrata mais as pontas dos dedos. Já me acostumei com o inverno. Quando digo reconciliar, quero dizer que já superei todo aquele inferno pelo qual passamos nestes últimos meses.

-

Hoje há um poço de felicidade em meu coração. É a prova de que o Sol sempre nasce, impreterivelmente, por volta das 6 da manhã.

sábado, 10 de abril de 2010

29/03/09

Mundo, o que é que há?
O que é que há no mundo?
Há mundo no que é o que
Há no que é o mundo.

Um dia hei de ver
E há de ver você também
Uma montanha de lixo
cósmico, andróide
tóxico, pop, alucinante
aterrar todo amor que há no mundo.

E há? Há mundo, amor ainda?
Há amor ainda, e há mundo...
Mundo há. E amor, ainda?

Por que é que este sol
Está tão perto e não me queima?
Há entre nós alguma coisa
Algo etéreo, sutil e surreal
sul, real.
Nem tão ao sul.
E tão pouco real.

E o que há de real na vida?
Na vida de real, e o que há?
Na real, de vida há, e o que?
O na que há, de real, e vida!

Vivemos em tempos de gladiação
Eliminação, aniquilação.
Semente, se mente.
Na vida real acabou-se o amor do mundo
Acho que tudo já secou.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

29 de março de 2009

Chove muito lá fora
E eu só queria que você
Que você me telefonasse
Minha mensagem
Eu mandei por medo
Eu tenho medo de te
De te telefonar
Só de pensar em
Ouvir sua voz
Me dá calafrios
Morro de medo
Mas eu queria que
Você me telefonasse
Nem que seja para
Ficarmos constrangidos
Para as palavras
Fugirem, se esconderem
A ponto de ficarmos
sem o que dizer
Eu tenho certeza
que se nós nos
falássemos, eu
teria aquilo tudo
para te dizer
você ia suspirar
Eu ia rir desconcertado
E eu sei que eu
devia ser homem
Pegar esta merda de
telefone e te ligar
Te dizer todo este
coquetel de sentimentos
que se debate nas
paredes da minha mente
mas eu não posso
eu tenho medo de você
um medo que não
tem nem razão de ser
mas que eu sinto e
que é meu delator
meu algoz e meu
fardo, pesado e frio
é a geleira da minha
alma, que seria
quente se eu pudesse
te telefonar em paz.
Sem conflitos, sem
receios, medos infundados.
Eu sinto muito a sua
falta e eu queria
que você soubesse disto.
Não sei se faz diferença
Porque talvez você nem
lembre que eu existo
Eu existo muito bem
sem você durante
grande parte do tempo
Mas quando você
invade meus pensamentos
numa tarde de calor
e abafada pela umidade
do ar, eu vejo o quanto
eu sinto você estar
tão longe, mas tão perto.
na minha vida
que é feliz, grande
espaçosa, falta um
amor, e eu só vou
amar tranqüilo
quando eu conseguir
te telefonar
e conversar com
você sobre coisas casuais
sobre como meu ritmo
anda frenético e
como seu riso é
bonito...
eu não sei nem se
existe o meu amor
se ainda há de
nascer em algum
canto escondido neste
mundo cruel e
cor de grafite
pode ser que sejas tu
pode ser que seja ela
pode ser que seja ele
é, por que não?
amar tranqüilo é amar
sem se preocupar
com nada
Enfim, tal como naquela
peça do Caio Fernando
Abreu, em que todos
estão se escondendo da
chuva numa casa abandonada
e não tem para
onde ir,
“pode ser que seja
apenas o leiteiro lá
fora.”
Eu não sei, não sei
de nada
Sei que se eu te abra
çasse ia ser tão lindo
Teu seio apertado
contra o meu peito e
nossos corações iam
bater em um só
pulso. Antes disso, eu
queria apenas poder
te telefonar...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

?

eu sinto que meu coração está contraído espremido num canto qualquer de um espaço indecifrável indescritível e tal desconforto propaga-se feito epidemia na minha matéria viva eu nem sei o que sinto ao certo é duvidoso meu coração poderia ser desterrado do meu peito talvez esta agonia passe na verdade não sei se há solução talvez precise de uma nova bomba meu sangue parece que parou de correr e estancou em pontos muito peculiares do meu corpo são nestes pontos que eu sinto dor não sei bem se é dor ou se é desalento sei que sinto solidão e medo um gélido pulso na espinha que me entrava eu queria movimento parece que tudo parou meu Deus e Você ou você abduziu deste universo e desencadeou a criação de um novo espaço não adianta fugir tudo retorna infalivelmente a ser exatamente o que está predestinado a ser com suas criações não há de ser diferente cansou da podridão daqui é fraco não abandona o que esculpiu

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Noite

Era madrugada. Eu estacionei em frente ao seu prédio. Ele me perguntou se eu desceria, eu hesitei, tendencioso, na verdade eu quero, mas há muito champanhe na minha cabeça e muito torpor nos meus sentidos, então dorme aqui, que mal há? nenhum, amanhã eu acordo verdadeiramente cedo, basta o sol nascer, problema nenhum.

Eu tranquei o carro, ele abriu o portão do prédio, eu entrei, subi as escadas logo atrás dele, que tropeçou relapso num degrau sorrateiro, parece que há bastante do embriagamento em ti também, não, é costume, de queda? não, de ansiedade.

Ele abriu a porta do apartamento, sugeriu com os dedos que fizéssemos silêncio e me conduziu sem demora para a insanidade do seu quarto, fecha a porta, e a toalha? do lado de dentro, é uma baderna, sei, você dorme no colchão, comigo, eu te deixo ocupar a cabeceira, eu me inverto, quer uma bermuda? não, prefiro de cuecas, sinta-se a vontade.

Ele me falou que não queria falar dos fantasmas, que eles o assombravam ainda, mas que ele não mais queria o pavor daqueles espectros. Deitado, ele acariciou minhas pernas, e eu, deitado, acariciei seus pés. Suas mãos certeiras acariciaram minhas nádegas firmes, invadiram a clausura da minha cueca, os dedos roçaram meu ânus trêmulo e ele tentava alcançar meu pênis rígido e vibrante. Cuidado, desculpa, é melhor dormirmos, não precisa se desculpar, eu acho até prazeroso ser livre, então seja, é o álcool que me deixa hesitante e você ainda povoa minha sanidade com porquês e dúvidas retóricas.

Ele levantou do colchão e apagou a luz. E repetiu calma e solenemente, como que seguindo um ritual, o protocolo daqueles carinhos. Ele se deitou ao meu lado e me abraçou com olhos, braços e pernas. E eu cedi. Eu lambia e chupava o seu sexo compulsivamente e havia gosto de macho naquilo. A minha saliva transbordava da minha boca e eu me sentia mais homem a cada bocada. A sua glande conversava com a minha garganta e era como se houvessem pirilampos na minha laringe. De súbito ele me pôs de quatro e tentou me penetrar. E eu o deixei conduzir meu corpo, como numa dança. Eu quero você, seu cu, seu de dentro, vem, me marca, me ocupa, me arrebenta de gozo, me fode, para. Desculpa fazer isso com você, mas eu não consigo. Tudo bem, não fique nervoso, é melhor dormir.

Eu dormi um sono tempestuoso e agitado. Eu podia sentir o respirar profundo e compassado daquele homem e, por vezes, naquele colchão estreito, nossos corpos se chocavam e se desvencilhavam, num ballet precário, mas sublime. Dormiu? não, é difícil dormir assim, como? assim.

Eu acordei pelo nascer do sol, esperei o despertador tocar, fiquei um tempo do lado daquele corpo que dormia leve, suguei um tanto aprazível daquele calor de vida, levantei-me, coloquei minha roupa, debrucei no chão ao lado do colchão, eu vou trabalhar, não vai, que crueldade, são 6 e 20, você me acha desprezível? de forma nenhuma, vá, nos vemos a noite, não te levo a porta, não precisa, bom trabalho, merda, bons trabalhos, um beijo, outro.

Com minha mochila nas costas, desci as escadas, sai pelo portão, entrei no carro e dirigi até o trabalho ao som daquela música antiga que tocou no rádio a 5, 6 anos atrás.

Minha cabeça estava naquele corpo que havia ficado entorpecido no colchão. E de pensar no que eu quis, mas não me permiti fazer, pensei que havia sido bastante cruel, não só com ele, mas comigo mesmo. Meu sexo concordou. Decidi esperar que ele me ligasse ao acordar.

E foi assim. Ele me ligou, bom dia, bom dia, eu quero me redimir com você e comigo, eu quero ir a sua casa, cozinhar para você, conversar sobre a simplicidade da vida e depois trepar até que a exaustão seja algo inalcançável, então vem, eu vou.

Entrei no carro, e dirigi cantando até o momento em que aquele caminhão cruzou imprudentemente a avenida, tentei desviar, choquei-me contra a mureta de segurança, que se despedaçou, permitindo que meu carro despencasse de uma altura de 15 metros, estraçalhando-se naquele córrego raso e mal cheiroso. E eu morri contente enquanto ele me esperava naquele colchão estreito.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os três homens

Eram cerca de 23 horas daquele sábado estranho. Ele não sabia. Mesmo assim foi. Chegou, aguardou pacientemente. Entrou. Lá nada mais do que almas vazias. Um questionamento: “Será que elas sabem por que existem, meu Deus?” Ele tenta ser alguém que ele não é, gostaria de poder agradar. Agradar o que? Ele não sabe, mas imagina.

Ele detesta aquela condição a qual se lançou. Detesta aquele cheiro de cigarro, aquelas garrafas flutuantes, aquele barulho de percussão. Ele (absurdamente) pensa que gostaria que todo aquele lugar fosse varrido por uma epidemia qualquer. Ele se conforta imaginando a completa destruição, o caos, os destroços daquele antro, e a morte de toda aquela corja.

De repente cai em si e pensa que é novo ainda, e que conseguirá superar.

Ouve coisas. Desinteressado ouve as imbecis que conversam de assuntos ainda mais imbecis que elas. Uma proeza. Aéreo, atenta para as vozes de macho que arrombam seus ouvidos, falando de assuntos ainda mais machistas que eles.

Eles eram três. Falavam de veados. Gesticulavam, usavam seus corpos viris ao mesmo tempo em que urravam com vozes imperativas. Ele pensa que em um universo tão apático, um pouco de criatividade poderia salvar alguns minutos de sua vida.

Imagina os três homens nus envolta dele. Excita-se ao ver que é bem menor que eles. Mais frágil. Vulnerável. Adora esta condição. No olhar deles, ardor e destruição.

Ele enlouquece apenas pela possibilidade de ser queimado e destruído.

Ele deseja que aquela tensão dure o tempo de um gozo.

Dura infinitamente. Pensa: “é vantajoso usar a imaginação.”

Repentinamente os três homens lançam-se sobre seu corpo esguio. Eles se esfregam contra ele, mordem suas carnes, lambem seus buracos, cospem na sua face, e penetram violenta e animalescamente qualquer espaço que clame por prazer.

Aquilo se estende por dias, meses, anos. Ele já perdeu até a noção do tempo.

Ele ri compulsivamente, chega a pensar que vai morrer. Pede para morrer. E grita, pede cada vez mais, não consegue se contentar com nada, tudo é muito pouco!

E o ritual continua (perpetuamente?), ele é apertado contra aqueles dorsos fortes, espancado por aqueles membros duros, arranhado por unhas leoninas. Ele quase não tem forças. Ele sofre, e adora.

Os três homens são cruéis. Eles deliram porque subjugam, e ele se emociona por ser subjugado.

Ele é subjugado como um bicho. No meio daquele turbilhão em tecnicolor ele vislumbra a imagem de três selvagens monstruosos que caçam um veado campeiro. E chora, porque é a coisa mais delicadamente bela que ele já viu.

E no momento daquele choro os homens despejam uma enxurrada de fluídos em seu corpo magro e pulsante.

Ele grita, um grito ensurdecedor. Parece que sua existência foi expandida a um plano de felicidade inalcançável.

Ele está no chão. Os homens de pé, arqueados, arfantes, molhados. Guerreiros. Vencedores.

Ele se contrai por alguns segundos, e em seguida se abre, como uma flor que encontrou sua primavera.

Os homens se agacham, deitam-se ao seu lado, e o abraçam. Não sabem de onde vem aquela vontade de proteger o que eles acabaram de destruir.

Ele então goza freneticamente. Se debate como num estado de convulsão. O grito não cessa.

Os homens o acalmam delicadamente, como se aquela flor que se abriu fosse a última possibilidade de salvação.

Eles morrem juntos, emaranhados, como víboras gigantescas ao se acasalarem.

Desperta então para a realidade. Vê-se no mesmo lugar de antes, naquela mesma condição execrável. Acredita, porém, que um pedaço singular de sua existência foi salvo. Ainda que por alguns minutos.

domingo, 14 de março de 2010

Sessão de poemas curtos

Atente ao meu choro

Contando suas épicas histórias ao som do meu canto
Só queria que tirasse você as mãos dos meus cabelos
Para enxugar minhas notórias lágrimas.
-
Dúvida

Será que essa mudança me confortará?
O sangue lavará esse falso amor?
A crueldade dos carinhos?
-
Para G. G. Márquez

Ela é uma rosa
Que eu coroei.
Sinto seu cheiro.
Sonho com sua pele.
Pétala de veludo.
Engulo seus espinhos
Só de pensar
Que dela não sou Rei.
-
Stop.

Quando é que você vem?
Faz tempo que eu te espero.
Não caibo mais aqui.
E sinto que o mundo não mais me comporta.
Que desejo de explodir!
...
Continuo a esperar-te.
-
Samba do mal-resolvido

Sei
não vou chorar
por essa dor
meu pranto hei de guardar
para outro bem
melhor que ti
que enfim saiba me amar
-
Pivete

Não corre menino bandido
Me mostra do que você foge
Deixa eu te encontrar, seu perdido
Perto de mim você pode.

Pode voar.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Voo #4043

eu andava como quem segue. segue seguro, de si, de mim, de todo o mundo. era elipsoidal o meu caminho, por vezes espiral, quiçá labiríntico. menos importante que a forma, era o tônus do meu caminhar. seu ritmo. sua cadência. sua essência.
eu andava como quem urra de dor. e chora. não um choro melodramático, um choro dos calhordas, dos crápulas; não, este não. era um choro tremendamente cruel. daqueles que é preferível sorver arsênico do que derramar. eu andava assim. com uma dor e muito elegante. alinhadíssimo.
ela foi. eu não quis ficar . fui como quem vai.
e o poeta disse que há pedras, e há. cascalhos, pedregulhos, granitos, meteoros. achei que ele era uma pedra. ele parou, se colocou em minha frente como um obstáculo se coloca frente ao puro sangue inglês (negro, que galopa descompassadamente, rumo a lá). e o garanhão menosprezou a pedra, quis chutar, coicear, empinar, pinotear, abanou vertiginosamente sua cabeça, a crina brilhou. ele era forte. era cavalar. ele só me pediu um cigarro. eu não, não tinha. vai embora? eu vou, vou. é cedo, fica. não, eu danço. que bom, eu construo... me beija. não, eu te quero, só por hoje. não, eu nego, eu não. toma. o que? é o meu rol de costelas, uma por uma. pra que? é pra você poder ver o que há cá dentro. me conta. não, é preciso que se veja, pra isso me mutilei, pra você ver o meu de dentro. (hesita) (que mal?) (nenhum...) (abre a caixa de Pandora) (ela o aprisiona) eu dei na pedra um coice, crente na existência da pedra. ela rolou. antes, rocei meu focinho, de leve, e meu olfato cheirou melancolia. a pedra chorou, leite das pedras.
com medo eu corri, a perna estalando, o coração numa taquicardia, a boca agreste, a vista âmbar, o corpo em movimento inercial. não era pedra, era rochedo.
ele me profanou como um meteoro devasta um astro. ele me fez pó. poeira cósmica. ele era homem disfarçado de menino. acho que era mais menino mesmo, mas também era homem. e eu queria. queria ele. por uma noite. por todas as noites. queria. mas eu fugi.
fui ao encontro de tudo, após correr, e tudo me impulsionava a ele.
inclusive ele me impulsionou a ele.
e quando eu me preparava para disparar num último galope ele me laçou pelas patas. e eu caí. num tombo só. o chão espancou meus ossos e ele me arrastou sem piedade por infinitos até seus pés. e quando eu achei que ele ia me pisar e me chamar de fera, quando achei que ele ia me domesticar, ele me ergueu, me envolveu nos braços sedentos e soprou:
eu te quero porque você é fera.
ele me beijou como se beija um lírio. e foi beleza que cegava os sentidos. que dopava a alma. e o tempo que antes era curto, desdobrou-se quanticamente, e ele me beijou durante o instante de um raio, infinito, eterno.
e ele me apertava. me sugava a língua, me roubava o quente do corpo.
eu gosto do seu beijo. que bom que você voltou. é, eu gosto do seu beijo. é, voltei. nem sempre, hoje sim. sua pele é macia. é voltei, nem sempre. é pétala de morango. você cheira embriagamento e nicotina, mas eu gosto. eu quero cheirar o que te agrada. eu gosto da sensação... pelo com pelo. gosto da vermelhidão. gosto de como agride o microespaço e transforma o universo. você é inteligente. eu quero te abraçar até que minha pele murche. eu quero te abraçar tanto que o carinho vire agressão. eu queria que com um abraço nossas carnes se metamorfoseassem em um ponto. ponto? sim, ponto. é lá que cabe todo o tamanho disto aqui. seu pau é forte. o seu é vida. como é que isto é tão belo, meu Deus?
ele me deixou no carro. eu dirigi como se eu pilotasse uma borboleta. que me deixou no ninho. eu adormeci leve. e breve. como quem tem ânsia de viver o prometido.
ontem, ele: eu te encontro onde for.
ontem, eu: te espero.
na espera: eu varro toda a casa com minha ansiedade, eu estraçalho todos os papéis vencidos, eu transformo lixo em serpentina, eu lavo os pires como se lavasse prataria, eu organizo o hieróglifo da minha vida, eu danço pra você na sua ausência, eu falo de você aos tucanos da minha janela, eu almoço Raduan Nassar e ele me alimenta.
você não chega.
eu te busco.
você responde.
você vem, diz.
eu te espero, adormecido, não é clichê. eu durmo. eu hiberno. a espera cansa.
eu acordo num pesadelo.
eu começo a me desesperar.
eu chamo por você.
você responde.
você vem, diz.
eu te espero, com os acordes do meu violão. toco todas as canções da memória. você não chega.
o desespero retorna.
cadê? caminho. eu me preocupo, porque você vai ao teatro às 20 e são 17. eu queria que o teatro não tivesse nascido. se você vier, o teatro morre. sacrifica o teatro por mim, que em breve eu te devoro.

-

de ele, agora é você.

-

você chega. eu te resgato. quando subimos naquele elevador nossos corpos eram estátuas, mas nossos pensamentos eram sonhos. você entra na minha casa e me beija. e o mundo poderia murchar todo rumo ao seu próprio centro que não tinha como nossos corpos murcharem.
nós nos por horas.
eu quero que seja assim. mas eu tenho muito que me impede. existe ela, mas quero você, macho, garanhão. eu sei, é tudo um erro. eu não posso arrancar os três corações, jogar numa travessa e acionar a batedeira. eu sei que eu preciso ser sereno. eu queria que ela morresse, como morreu o meu, o seu pai. eu queria que tudo morresse. queria que tudo sangrasse até vazar tudo pelo ralo do oco. e que só restasse o eu e o você. mas não é assim. não espere o que eu não te prometi. mas você quer. mas eu não vou. se é assim, eu não quero nunca ser obstáculo para o seu galope, mas lembre-se que uma vez você foi empecilho para o meu... você é cruel. é por isso que eu te desejo. obrigado por ser meu oásis neste deserto de esperança.
-
ele foi embora. prometeu voltar. nunca mais o vi. nunca, lugar inexistente. não, não para mim. ele parou meu galope. num susto. e agora a pedra virou meteoro. lançou-se contra meu território, causou devastação e seguiu sua órbita. seu galope. e em mim só restou desesperança. o oásis secou. o cavalo fraturou as patas. e será sacrificado.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Para Ju

Pode.
Tudo.
Porque tudo é permissível a quem, além do gostar puro e incongruente, mostra na alma, na palavra e na carne a que veio.
Vem de um longe vizinho ao meu, e aqui vai estabelecendo morada.
Pode, é claro. Pode também ficar.
Ocupa da tua existência o carnaval da minha vida, que ele precisa muito da força de uma nova colombina.
Uma alma que tem sede, suga o sumo de outra que transborda.
A minha alma gosta da sua sem cronologia.
Pode sim, claro.
Porque de certo posso eu, também.
Certo?

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Para Hilda

Era uma vez. Eu queria muita coisa. Queria tanto que não sabia mensurar. Enumerar. Só sei que queria. E era isto que me movia.
Um dia, desses que não fazem sol, eu resolvi que eu queria comer carne de porco. Há tempos eu não comia carne. Há tempos eu não comia carne de porco. Quis experimentar. Eu queria, percebe? E para mim bastava.
Sai da minha casa com um machado em punho, em busca de um porco gordo, peludo e barulhento. Tinha que ser assim.
Andei muito. Acho que as solas dos meus pés até ficaram vermelhas, esfoladas, com as carnes pulsantes. Pouco me importava. Eu queria carne de porco.
Vaguei pelo centro da cidade. Era muita gente e pouco porco. Nenhum porco. Frustrei-me. Chorei. Chorei muito na beira de um chafariz. Chorei um chafariz de pranto azedo e cheio de caprichos.
Porém a vontade não havia morrido.
Levantei colérico pela impossibilidade de saciar meu desejo, entrei naquela galeria com cheiro de mijo, com o machado em punho como quem ergue a bandeira de sua pátria e trotei até aquele gordo branquelo e com o peito peludo que vendia e comprava ouro e desferi uma machadada certeira bem no meio do seu crânio calvo e suado. Os miolos vazaram pela fenda junto com um sangue bonina. Me joguei naquele cadáver quente e chupei todo o conteúdo efervescente daquela cabeça aberta.
Arrotei.
Levantei, fui até o boteco da esquina, tomei um copo d’água (arrotei), tomei o ônibus, desci no ponto de sempre (arrotei), caminhei até minha casa, onde escovei os dentes, passei o fio dental e fui dormir.
Um sono leve, satisfeito, como dorme um bebê amamentado.
Não sei do machado, nem das minhas roupas ensangüentadas. Pouco me interessam.
Eu não quero.
Moral da história: Quem não tem cão, caça com gato.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Vazio

Eu tô bem. Tô ficando bem. Tô tentando ficar bem. E tô conseguindo. Mas sinto uma falta da minha Brasuca. Uma falta que não se preenche, mas há de ficar no meu peito pelo resto da minha vida. Toda vez que eu clamar as memórias da minha "Saga na Terra do Tio Sam", a primeira contrareação será sem dúvidas um gelado no meu coração. A temperatura do vazio. Esse vácuo sem dúvidas vai estar lá. Ou não, já que é vácuo. É como um nada, absolutamente nada, que significa muito. Tudo. Sem dúvidas esse vazio dos amores da minha terra vai me perseguir pro resto dos meus incontáveis dias. Mas ele não estará só. Paradoxalmente, vai estar acompanhado de um outro vazio, o qual ainda não existe, mas que, com fé, vai existir. Ou não. Afinal, é apenas um nada. Um vazio.
(Profetizado no segundo semestre de 2007, quando da minha viagem a Spokane, WA, nos EUA. E a profecia se cumpriu.)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sobre o perto e o longe

O duro pra mim não é ficar longe. O duro pra mim é não estar perto. Porque longe eu fico sempre. Nas tardes quentes, sob o sol, andando como quem caminha, lendo linhas confusas, ou melhor, difusas. Longe é recorrente. É meu pão de cada dia. Tão vital quanto.
Mas não estar perto é diferente. Sim, é muito diferente. Deveras. Em inglês, ser e estar são um só verbo, e isso só piora minha situação.
Para um leitor menos atento, ou mais sensato do que eu, estar longe e não estar perto soam exatamente da mesma forma. Mas não. Não é uma questão de sintaxe, mas sim de sentimento. E eu aprendi que não há palavras que expressem um sentimento verdadeiro.
Pois então. É uma questão de sentimento. Porque não estar perto tem uma carga de privação, que é inerente ao não, e de frustração, pois existe o perto e ele eu não conheço. Ainda.
(Escrito em meados de 2007, em Spokane, WA, quando das minhas aventuras na terra do tio Sam.)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Necessidade

E não é preciso se desesperar com a extensão do tempo ou com a intensidade das coisas acontecidas.
Nem vá falar de saudades infundadas ou de dores de membros fantasmagóricos. E as lágrimas de sertão, só valem para matar a sede de almas ciganas.
A precisão é do que é bom. Cabe a cada ser o julgamento do bom. O que há de ser bom, os necessitados hão de tomar para si. O que não há de ser, são só saudades inúteis, dores invisíveis e choro seco.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Saltar ou Não Saltar?

O fim, também é ponto de partida.
Amor. Sentimento pesado. Difícil de carregar. Só é possível quando se divide. Paixão não. É sentimento oco. Leve. A gente simplesmente sente.
Eu me marginalizei porque estou sujo demais! Leproso demais! LOUCO DEMAIS! Todo o meu pranto estava por correr dentro de mim. Era preciso me partir em pedaços pro meu pranto inundar! Melhor seria me queimar até que meu cheiro de carne queimada levasse tudo o que eu sinto! Mas quero existir apesar de tudo.
A tristeza é sempre mais poética para os realistas. Mas também bonita. Feito os cactos, que espinham sempre, mas também dão flor. Foi então que eu cuspi: uma flor, um espinho e um vazio.
E senti uma vontade estranguladora de chorar! É um pranto que é preciso arremessar para bem longe do ser! EU QUERO MAIS É QUE MEU PRANTO MATE!
A pureza só vale de alguma coisa se a gente já mergulhou de cabeça no esgoto de nós mesmos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Para Fábio

Eu não sei o que acontece. Eu achei que não tinha chão, a vertigem me consumiu, pensei que ia cair, daí chorei. Mas a manhã tem me trazido ondas de euforia, e eu resolvi pedir socorro. Vocês me ouviram, graças a Deus. E rapidamente se mobilizaram. E eu fui ficando cada vez mais feliz, pela simples possibilidade de felicidade. E a manhã foi passando com mais serenidade e eu consegui até almoçar com o paladar mais limpo. Mas a cama é lembrança fatal, daí eu chorei de novo. Foi quando vocês chegaram. Me resgataram. E eu sorri, porque vocês estavam ali. Foi numa tarde de queijos, vinhos e croissants, eu sangrei minha vida toda para vocês em uma hemorragia e vocês beberam meu sangue e cuspiram rosas brancas no meu rosto e eu queria mas eu não conseguia mais chorar. E eu que não estava entendo nada, e eu que estava vivendo na inércia dos fatos desde aquela sexta-feira, de súbito entendi tudo. Subitamente a vida parou, como nos segundos de um desastre de automóvel. Entedi que não havia o que entender. A vida não carece de entendimento. O que a vida precisa é de ser vivida. E de novo eu estava confortável com a atmosfera deste mundo louco e era alegria que não cabia no meu sorriso e era contentamento que não parava de galopar. E eu consegui ver de novo aquele cavalo branco a correr, correr muito, sem saber porque, sem saber para onde, sem saber sequer em que tempo, sem saber de absolutamente nada, a correr simplesmente pela necessidade latejante de FUGA, de fugir do aqui para chegar lá, bem longe, e então freiar, sentir ardentes os músculos da pata e, sem respiro, contemplar o mar. O nosso mar eram aquelas árvores. A nossa Paris era aquela grama alta da Pampulha. O nosso ponto de referência neste mundo insano era Belo Horizonte. Vocês são magos. A sua magia é transmutar os sentimentos. Vocês pinçaram a ansiedade do meu peito, escavaram violentamente uma fenda e despejaram amor. Amor pelo que eu sou amor pelo que somos nós amor pela vida amor pelo viver amor. E eu que sempre achei o amor um sentimento pesado demais, um fardo, difícil de carregar, entendi como ele pode ser leve quando se divide. E era tanto amor e álcool que a importância dele foi diminuindo, não a importância que dá valor, mas a importância que dá tamanho. E ele ficou tão pequeno que eu pude colocá-lo na palma da mão, soprar e ver ele voar um voo leve como daquelas plantas de algodão. Ele voou, e meu coração ainda dói ao contemplar seu voo, mas é uma dor de quem amou muito, não de quem sofreu, entendem? Uma dor que me faz querer GAR GA LHAR. E ser muito mais feliz. E quando eu pensava que a tarde não poderia ser mais arrebatadora, me vem aquele livro e me ensina sobre a paciência. Nos ensina. E eu, meu Deus, que não estava entendendo nada, de súbito entendi tudo. E havia carinho sem ressalvas, sem medidas. E eu que escrevi uma vez que amar tranquilo é amar sem se preocupar com nada, finalmente amei tranquilo. Vocês me ensinaram muito: que não há diferença entre vida e viver que apesar de pensarmos ser tão simples a vida tornamos tão complicado o ato de viver. Vocês me ensinaram a SIMPLIFICAR o ato de viver. E o que me fez ainda mais etereamente feliz foi a descoberta logo após a revelação. Foi me deparar com a certeza de que vocês enxergam minha alma, muito além da minha carne. E isto me deu ESPERANÇA. Vocês me alimentam com a esperança que eu necessito para acreditar na vida no viver no mundo no futuro no amanhã no sol que nasce a cada dia. De vocês eu engulo a esperança que me faz esperar pelo nascer diário do sol. Vocês me fazem acreditar na salvação da humanidade e das coisas em decomposição. Como no eterno retorno, eu sempre volto a ser o que era o que é minha essência minha semente. Eu não sei o que acontece, mas talvez eu saiba. Acho que sei. Sei. É amor que não finda.

Para Giulia

Pequena reflexão sobre saudade
Sentir saudade
É como enxugar gelo
Com toalha de algodão
Quanto mais se esfrega
Mais encharcada fica
E ao se torcer a toalha
Escorre, pinga água
Antes gelo, agora fluida
Vai para onde bem quer.
Bulir com saudade
é coisa perigosa
Ela fica mais saliente
E escoa descontrolada.

Abre-alas

Caros amigos,

A idéia de criar um blog para divulgar meus devaneios há muito me persegue. Faltou-me paciência. Mas escrever (ultimamente) tornou-se uma necessidade e compartilhar minhas "coisas" foi o mecanismo que encontrei para dialogar com o mundo caótico em que vivo (emos?).
Longe de mim ser pretensioso; o que PRETENDO - mesmo - é registrar minha vivência. Uma maneira, talvez, de dissipar esta névoa que me envolve. Seria muito pretensioso tentar dissipá-la? Não sei. Gostaria pelo menos de rompê-la, a fim de enxergar a vida de uma forma mais cristalina.
Sinto, sem saber por que, ser fundamental o compartilhamento das minhas impressões acerca da vida. Sinto ser fundamental o conhecimento das suas impressões acerca da vida.
Há muito iniciei minha corrida rumo ao oceano. Corre comigo?

Avante corredores!